sexta-feira, julho 20, 2012

Um dia...

Um dia ela resolveu, sem muita explicação, morar com ele. Fez as malas, quitou dívidas, reuniu pensamentos, mudou pagamentos, alinhou o caminho e veio! Chegou como quem chega do trabalho, normalmente, todo dia; sem alarde e sem alarido, levou pouco para se instalar. Desnecessária algazarra por chegada tão trivial, tão certa. Ela resolveu vir e veio!

Ele sentiu antes mesmo que pudesse a ouvir chegar. Preparou o melhor que pode os espaços, tirou a poeira, abriu as cortinas, deu de beber às plantinhas, alinhou os quadros e os sapatos e sentou a esperar. Leu textos lindos pelos quais passou o olho sem pretensão, quase que por acidente, enquanto a aguardava. Desnecessária insegurança ou calafrio por chegada tão certa, tão trivial. Ela acabaria vindo e veio!

Passaram dias e dias a se encantar com a brevidade e celeridade dos despertares saborosos; muitos e mais ainda a viajar e viajar pelos descobrimentos de se saber pleno; por rosários e confissões; nos silêncios e no levantar de todo dia dissonante. Desnecessária toda e qualquer coisa. Até a trivial. Até a certa.

E um dia, como que por qualquer razão, como quem retira a agulha após a aplicação, ela foi embora. Não disse onde ia, não deu explicação, não deixou bilhete; ajuntou tudo e foi.

Houve quem visse Alegria aqui ou ali, mas não quem o dissesse. Ele chegou em casa no dia como se outro qualquer fosse, e pôs as bolsas de lado, como todo dia, e lavou as mãos, e aparou a barba, e assentou as revistas e os folhetos, mas não tirou a poeira, não abriu as cortinas, não deu de beber às plantinhas, não alinhou os quadros nem os sapatos. Sentou e esperou. Leu o que tinha ao alcance do olhar sem pretensão, do acidente. Cerrou a janelas, cerrou as revistas, cerrou os livros, cerrou a vida.

Há quem diga que vivia a procurar nas esquinas dos assoalhos e nos baixios um reflexo dela, mas sei que não. Sei que entre a cerração, cerrou também a alma, cerrou o coração... muito do que foi já se perdeu e todos os que viam, ouviam e diziam já não o fazem mais. Os dias se alongam em um interminável passar de salas e quartos, quadros e sapatos, enquanto minha vigília dura aqui...

E eis que mais cedo me peguei perdido a divisar o passar constante de todas as coisas lá fora. Toda a vida e  toda a pressa, todos os compromissos e objetivos em um mar de luzes e silêncio, de reflexos e ventania... Entre a multidão há um vulto que não estava lá pela manhã... não esteve por lá ontem. Passa as horas a fitar nessa direção e traz ao lado as mesmas malas...

Será possível?

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