domingo, julho 22, 2012

Ele tem um jeito...



Ele tem um jeito de rir que assusta,
Uma cegueira clara que confunde o ser e o estar das coisas.
Ele tem um jeito de falar que ofende,
Um convalescer de ditos e farpas frias que o tempo não põe a prova.

Ele tem um jeito de dizer que não diz,
Um esgar de sonho e sentimento seco em relevância.
Ele tem um jeito de fazer que desfaz,
Um desconstruir constante de saber viver de consciência.

Ele tem um jeito de olhar que aprisiona,
Um chorar sem cor de sombras tristes de agonia.
Ele tem um jeito de sentir que é frio,
Um sofrer sem dor de lucidez e alma à revelia.

Ele tem um jeito que, não sei...
Um querer de algoz em franco encantamento.
Ele tem um jeito de pedir que é fátuo,
Uma necessidade de poder prover sem ser provido.

Ele tem um jeito que de jeito algum se faz sentido,
Um entrecortar de juras e premissas desvalidas.
Ele tem um jeito de sofrer que só matando,
Um circunlóquio de direito pronto e cercania.

Mas ele tem a ele...



sexta-feira, julho 20, 2012

Um dia...

Um dia ela resolveu, sem muita explicação, morar com ele. Fez as malas, quitou dívidas, reuniu pensamentos, mudou pagamentos, alinhou o caminho e veio! Chegou como quem chega do trabalho, normalmente, todo dia; sem alarde e sem alarido, levou pouco para se instalar. Desnecessária algazarra por chegada tão trivial, tão certa. Ela resolveu vir e veio!

Ele sentiu antes mesmo que pudesse a ouvir chegar. Preparou o melhor que pode os espaços, tirou a poeira, abriu as cortinas, deu de beber às plantinhas, alinhou os quadros e os sapatos e sentou a esperar. Leu textos lindos pelos quais passou o olho sem pretensão, quase que por acidente, enquanto a aguardava. Desnecessária insegurança ou calafrio por chegada tão certa, tão trivial. Ela acabaria vindo e veio!

Passaram dias e dias a se encantar com a brevidade e celeridade dos despertares saborosos; muitos e mais ainda a viajar e viajar pelos descobrimentos de se saber pleno; por rosários e confissões; nos silêncios e no levantar de todo dia dissonante. Desnecessária toda e qualquer coisa. Até a trivial. Até a certa.

E um dia, como que por qualquer razão, como quem retira a agulha após a aplicação, ela foi embora. Não disse onde ia, não deu explicação, não deixou bilhete; ajuntou tudo e foi.

Houve quem visse Alegria aqui ou ali, mas não quem o dissesse. Ele chegou em casa no dia como se outro qualquer fosse, e pôs as bolsas de lado, como todo dia, e lavou as mãos, e aparou a barba, e assentou as revistas e os folhetos, mas não tirou a poeira, não abriu as cortinas, não deu de beber às plantinhas, não alinhou os quadros nem os sapatos. Sentou e esperou. Leu o que tinha ao alcance do olhar sem pretensão, do acidente. Cerrou a janelas, cerrou as revistas, cerrou os livros, cerrou a vida.

Há quem diga que vivia a procurar nas esquinas dos assoalhos e nos baixios um reflexo dela, mas sei que não. Sei que entre a cerração, cerrou também a alma, cerrou o coração... muito do que foi já se perdeu e todos os que viam, ouviam e diziam já não o fazem mais. Os dias se alongam em um interminável passar de salas e quartos, quadros e sapatos, enquanto minha vigília dura aqui...

E eis que mais cedo me peguei perdido a divisar o passar constante de todas as coisas lá fora. Toda a vida e  toda a pressa, todos os compromissos e objetivos em um mar de luzes e silêncio, de reflexos e ventania... Entre a multidão há um vulto que não estava lá pela manhã... não esteve por lá ontem. Passa as horas a fitar nessa direção e traz ao lado as mesmas malas...

Será possível?