domingo, abril 12, 2015

A surpresa do achar errado.

Luanda, Angola, 12 de abril de 2015

Hoje saí do hotel a procura de uma farmácia para comprar lâminas de barbear. Amanhã começa o que vim fazer aqui e tinha de aparar a barba. As ruas de Luanda, como em praticamente todas as cidades do mundo, não são movimentadas aos domingos e os comércios fecham em algum momento perto de depois do almoço.
Encontrei a farmácia após uns cinco minutos de caminhada reta a partir da rua principal do hotel. O preço das coisas aqui é exorbitante. Mais do que o equivalente a cinquenta reais por uma lâmina de barbear.
Depois da farmácia, lembrei que ainda não tinha conseguido comprar água mineral - meu verdadeiro tesouro nessa terra de riquezas infinitas. Procurei e não achei nada aberto. Continuei na rua principal da farmácia por mais um tempo até que desisti; não teria lugar nenhum funcionando afinal, ao menos não onde eu pudesse chegar.
Dei meia volta e mudei de lado na rua, pois não queria voltar vendo as mesmas lojas sujas e os mesmos fantasmas de carros parados ao longo da calçada. Tinha o outro lado da rua disponível e portanto me daria o luxo de olhar outras apresentações da amplitude de Angola.
No caminho de volta, passei em frente ao que parecia ser um mercado - fechado, claro, e eu nem o percebera quando vinha do outro lado - e na frente, sentados em três cadeiras com estofado furado e poeirento, havia três vigilantes. Conversavam sobre alguma senhora ou senhorita cujos dotes naturais deviam valer a observação, já que aos risos um deles apalpava o próprio peito em insinuação óbvia.
Resolvi perguntar se conheciam algum lugar onde eu pudesse comprar água e após pensarem um pouco resolveram que um tal lugar devia estar aberto. Eu não sabia que lugar era esse e nem participei da decisão, tampouco; eu compreendia apenas parte do que diziam.
Então, um dos guardas levantou-se e começou a me guiar por minha primeira incursão no centro de Luanda.
Andamos por pelo menos dez minutos, cruzando becos e vielas, acenando para outros jovens e senhores sentados pelas calçadas dos prédios, portas de garagem e cortiços, cada qual parecendo tomar conta de um pedacinho daquele labirinto de pó, asfalto rachado, fachadas desabando, um ou outro esgoto aberto, corredores escuros servindo de entrada às moradias em cima, de onde via-se dependurados todo tipo de coisa entre roupas, brinquedos, placas de comércio informal, fios de telefone etc.
Quando me dei conta, estávamos diante de uma espécie de mercearia cuja porta era baixa e o sujeito devia tomar cuidado para não acertar a cabeça no batente. Entrei, comprei minha água - duas garrafas, para não desperdiçar a viagem com pouco - e quatro garrafas de coca-cola; foi o que me veio à mente na hora e dada a circunstância não haveria muito mais o que eu pudesse ter feito.
Quando voltamos para a rua principal -  eu e meu nada esperado guia, o jovem Venceslau, "Lau" ele dizia, "é mais fácil" - disse a ele e aos amigos que aceitassem um agrado como forma de dizer obrigado. Passei a cada um deles uma coca-cola e um deles me perguntou se eu havia deixado uma para mim; fiz que sim e então aconteceu, foi simples, rápido e, exatamente como tinha sido a ida até a mercearia, totalmente inesperado. Um deles tratou de arrumar uma quarta cadeira velha por trás de uma caçamba e disseram que eu os acompanhasse.
Foi assim que por volta de três horas da tarde de um domingo, 12 de abril, eu passei dez ou quinze minutos bebendo uma coca-cola gelada com três distintos cavalheiros. Não me lembro de tudo que falamos, mas essa tarde eu não vou esquecer jamais. Contudo terei de me apoiar unicamente na memória, e neste relato, escrito às 02h12 da madrugada, pois não consegui quebrar o encanto do que aconteceu com o horror de uma selfie. Eu não sou um desses deuses da fotografia para conseguir capturar o que se mostrou ali.

Paulo Henrique Dargam

domingo, agosto 05, 2012

Caruá



Outro dia alguém me disse:
"Olha, pra tudo tem que saber falar.
Daqui a pouco o mundo gira e gira
E só vai sobrar você pra se aturar."

Eu não sabia que o alguém soubesse tanto.
Acontece que não adianta forçar.
Quando a alma escurece, chove...
E não se vê impedir o sol de brilhar.

Hoje cedo, dei por mim pensando
que o que ainda não veio, sofre de esperar
o dia em que alguém me disser, sem engano:
"Olha que chegou tua hora; vai e vive caruá!"



domingo, julho 22, 2012

Ele tem um jeito...



Ele tem um jeito de rir que assusta,
Uma cegueira clara que confunde o ser e o estar das coisas.
Ele tem um jeito de falar que ofende,
Um convalescer de ditos e farpas frias que o tempo não põe a prova.

Ele tem um jeito de dizer que não diz,
Um esgar de sonho e sentimento seco em relevância.
Ele tem um jeito de fazer que desfaz,
Um desconstruir constante de saber viver de consciência.

Ele tem um jeito de olhar que aprisiona,
Um chorar sem cor de sombras tristes de agonia.
Ele tem um jeito de sentir que é frio,
Um sofrer sem dor de lucidez e alma à revelia.

Ele tem um jeito que, não sei...
Um querer de algoz em franco encantamento.
Ele tem um jeito de pedir que é fátuo,
Uma necessidade de poder prover sem ser provido.

Ele tem um jeito que de jeito algum se faz sentido,
Um entrecortar de juras e premissas desvalidas.
Ele tem um jeito de sofrer que só matando,
Um circunlóquio de direito pronto e cercania.

Mas ele tem a ele...



sexta-feira, julho 20, 2012

Um dia...

Um dia ela resolveu, sem muita explicação, morar com ele. Fez as malas, quitou dívidas, reuniu pensamentos, mudou pagamentos, alinhou o caminho e veio! Chegou como quem chega do trabalho, normalmente, todo dia; sem alarde e sem alarido, levou pouco para se instalar. Desnecessária algazarra por chegada tão trivial, tão certa. Ela resolveu vir e veio!

Ele sentiu antes mesmo que pudesse a ouvir chegar. Preparou o melhor que pode os espaços, tirou a poeira, abriu as cortinas, deu de beber às plantinhas, alinhou os quadros e os sapatos e sentou a esperar. Leu textos lindos pelos quais passou o olho sem pretensão, quase que por acidente, enquanto a aguardava. Desnecessária insegurança ou calafrio por chegada tão certa, tão trivial. Ela acabaria vindo e veio!

Passaram dias e dias a se encantar com a brevidade e celeridade dos despertares saborosos; muitos e mais ainda a viajar e viajar pelos descobrimentos de se saber pleno; por rosários e confissões; nos silêncios e no levantar de todo dia dissonante. Desnecessária toda e qualquer coisa. Até a trivial. Até a certa.

E um dia, como que por qualquer razão, como quem retira a agulha após a aplicação, ela foi embora. Não disse onde ia, não deu explicação, não deixou bilhete; ajuntou tudo e foi.

Houve quem visse Alegria aqui ou ali, mas não quem o dissesse. Ele chegou em casa no dia como se outro qualquer fosse, e pôs as bolsas de lado, como todo dia, e lavou as mãos, e aparou a barba, e assentou as revistas e os folhetos, mas não tirou a poeira, não abriu as cortinas, não deu de beber às plantinhas, não alinhou os quadros nem os sapatos. Sentou e esperou. Leu o que tinha ao alcance do olhar sem pretensão, do acidente. Cerrou a janelas, cerrou as revistas, cerrou os livros, cerrou a vida.

Há quem diga que vivia a procurar nas esquinas dos assoalhos e nos baixios um reflexo dela, mas sei que não. Sei que entre a cerração, cerrou também a alma, cerrou o coração... muito do que foi já se perdeu e todos os que viam, ouviam e diziam já não o fazem mais. Os dias se alongam em um interminável passar de salas e quartos, quadros e sapatos, enquanto minha vigília dura aqui...

E eis que mais cedo me peguei perdido a divisar o passar constante de todas as coisas lá fora. Toda a vida e  toda a pressa, todos os compromissos e objetivos em um mar de luzes e silêncio, de reflexos e ventania... Entre a multidão há um vulto que não estava lá pela manhã... não esteve por lá ontem. Passa as horas a fitar nessa direção e traz ao lado as mesmas malas...

Será possível?

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

Ontem...

Ontem eu tive uma idéia...
Disse pra mim que ia tirar a poeira
Tinha um projeto para retomar...

Tomei um remédio pra minha dor de cabeça,
E meio sem nada na cabeça, comecei a pensar...
Liguei pra um amigo... tinha a ver com ele o projeto...

Olha, tenho que falar contigo... me liga
Temos que por aquilo para acontecer...
Desliguei com aquele ar dos vitoriosos...
Aquela vontade que vem de repente na gente...
Que faz a gente levantar da cama correndo, mesmo sem ter o que fazer.
Tenho que trabalhar...

Minha dor passou... tenho que começar a pensar...
Mas agora? Eu vou começar isso por onde gente...
Meu telefone tocou era ele: “começa pela gente ué...”
Escreve aí qualquer coisa...

Mas escrever qualquer coisa? Meio herético isso, não?
Como é que eu vou simplesmente escrever qualquer coisa,
Se o negócio é tão importante assim...

Achei que eu tinha que fumar... beber uma noite inteira...
Me embriagar de pseudas conversas modelo,
Sentar ao por do sol e esperar por ela...


Ela... maravilhosa...
Ela vem como um estandarte, eles dizem...
Nunca é igual... faz a gente ficar dormente...
Dizem que a inspiração é assim... pior que dor de dente...
Não diz se vem, demora, mas quando vem é pra derrubar...

Então fiz isso... acordei, pus uma boa música, sentei e esperei.
Enquanto esperava por ela, li jornal, revista...
Um monte de história de artista trocando de amor...
Alguns com dor... outros nem tanto,
Pudor então, tinha espalhado por vários lugares mas não se via em lugar nenhum...

Enquanto esperava por ela, achei que devia esvaziar a mente.
Joguei fora umas falsas modéstias, uns panos de chão, umas moléstiaszinhas aqui e ali...
(Lembrei que nem tinha tomado meu remédio para dor de cabeça ainda)
Tudo isso para esperar por ela...

Quando me dei conta, já tinha terminado a novela...
Já ia começar algum filme qualquer, aqueles tipo “pela primeira vez na televisão”...
E quando eu ia dizer que não, dormi...
Dormi esperando por ela...
Sonhei umas coisas esquisitas, uma sensação de abandono.
Depois de voar sobre algumas cidades... jogar golfe lá no ártico,
assistir a alguns flashes de Fellini, reencontrar um professor da faculdade,
isso tudo dentre tantas outras coisas que nem me lembro, acordei...

Madrugada já avançada, eu aqui ensopado de calor no meu sofá de napa...
E ela nada... não adiantou nada,
Tinhosa, sem coração... ela simplesmente me abandonou aqui...
É, foi isso.

Ou será que não?

(texto original escrito em papel amassado em 16/01/2008, desenterrado aqui nem sei porque)

sexta-feira, agosto 21, 2009

A Aranha do Chuveiro

Tenho uma aranha que vive no meu chuveiro
Acompanha-me diariamente enquanto
Eu, desatento, rapidamente tento me afastar dela.

Ela ouve minhas preces silenciosa.
Como quem ouve o choro dos encarcerados.
Vez ou outra sai para uma refeição enquanto esfrego os cabelos.
Avança para diminutos insetos e penso que tê-los para ela deve ser como não tê-los, para mim.

Tenho uma aranha que vive no meu chuveiro
Não maior que uma mosca, ela domina com garra
A extensão de três ou quatro dúzias de azulejos
É como morar no maracanã.

Tenho uma aranha que vive no meu chuveiro.
Pela manhã, me divisa a escovar os dentes
E sempre muito educada, não se aproxima
Até que eu esteja já no carro, saindo a cata de meus próprios insetos.

Ontem não a vi durante quase toda a noite
Soube mais tarde que havia saído para visitar a família.
Achei engraçado que ninguém nunca a vem visitar...
Ao menos que eu tenha visto.

Tenho uma aranha que mora no meu chuveiro
Uma aranha reles, nada demais... só olhos e patas.
Mas me admira como me atrai a atenção,
Me rouba os pensamentos e meio que me tira a razão

Tenho uma aranha que mora no meu chuveiro
Certo dia me peguei pensando quanto tempo levaria
Para que ela me carregasse inteiro a sua cova
E lá se dispusesse de mim como faz com seus diminutos insetos

Tenho uma aranha que mora no meu chuveiro
Ela nunca me disse, mas sei que ela só mora lá por minha causa
Gosta de ouvir minhas lamuriações e acessos
De ver-me despido de minhas frivolidades e ignorâncias

Gosta de sentir-se minha amiga, confidente
Passa os dias a se preparar para nossos encontros
E cada vez que aparece, está totalmente
Preparada e treinada para me deslumbrar.

Tenho uma aranha que mora no meu chuveiro
Tenho muita vontade de contar-lhe a verdade...
Mas receio que ela suma, ultrajada, e não volte nunca mais...

quarta-feira, junho 10, 2009

Sempre pode haver mais...

Há momentos na vida da gente, pelo menos na minha é assim, em que nos surpreendemos com uma atualização em um determinado conhecimento que tínhamos (ou achávamos ter) por completo... como quando descobrimos uma funcionalidade no aparelho celular que nunca havíamos usado ou como quando reparamos em um novo detalhe fantástico no quadro que está há eras pendurado no corredor...

Assim também é com coisas mais subjetivas e nem sempre agradáveis, como quando nos decepcionamos com alguém que tínhamos em altíssima conta... ou como quando somos traídos... Esses momentos de reavaliação da abrangência do nosso saber sobre as coisas tem como consequência, na maioria das vezes, episódios de euforia e encantamento, mas podem também trazer frustração.

Entretanto não é de frustração que me preenchi nos últimos dias, com uma atualização fabulosa que recebi em um dos sentimentos mais básicos e ao mesmo tempo mais complicados nesse vaivém de risos e lágrimas que é nossa vida: o amor. E a atualização, simples alguns podem até dizer, é que sempre pode haver mais amor...

Exatamente isso... ainda que acreditemos que amamos até o limite (e amamos!) ainda assim pode haver mais...

Acabei de levar um susto com meu filho mais novo, Arthur Henrique, que com só um mês e meio de vida foi pilhado por uma gangue de vírus e bactérias de baixíssimo nível que acabou por levá-lo à UTI (onde estamos nesse momento, desde o dia 14/05, mas de onde já estamos para sair, graças a Deus!!! Ele está melhor!). Para quem é pai ou mãe, ou até mesmo para os que não são nem um nem outro, não preciso detalhar os níveis de preocupação que uma criança com tão pouca idade, passando por tanta coisa, causa na gente.

Pois é, mas do meio dessa tempestade, acabei me deparando com aquela atualização que citei acima... a do amor. Afinal, uma das funções principais, senão a principal, de uma tempestade como essa é nos fazer maiores, nos expandir como seres humanos... e eu, que há três anos assumi o compromisso de ser o melhor pai do mundo, certo de que amava meus filhos mais do que qualquer outra coisa nessa terra... me surpreendi que ainda havia mais amor que eu podia sentir... eu sei que pode ser estranho (afinal como se mede amor?) mas foi assim.

Eu tenho certeza que até ontem amava meus filhos até o limite do possível... mas de ontem para hoje, foi como se o possível tivesse se esticado e eu agora amo ainda mais!!! Não dá para traduzir muito isso para explicações, mas dá para sentir e acredito que todos podemos sentir... É só termos sempre em mente que, na verdade, sempre pode haver mais.

Sempre pode haver mais... e melhor. Sempre pode haver mais de um monte de coisas... amor, compaixão, carinho, calma, serenidade, paciência, vontade, comprometimento, esforço, felicidade..

Que vocês tenham muito mais de tudo que é bom!
PH